A CARTELIZAÇÃO DA CORRUPÇÃO

«A Comissão Europeia registou em Setembro passado uma iniciativa de cidadãos europeus intitulada “Lutar Contra as causas profundas da corrupção na Europa privando de financiamento os países que não disponham de um sistema penal eficiente para a combater e prevenir”. Segue-se o processo de recolha de assinaturas durante um ano e esperemos que entre em vigor, dando uma moratória aos Estados vulneráveis à corrupção para corrigirem a trajectória. Nos antípodas desta preocupação está o nosso mainstream político para o qual, só importam as causas da violação do segredo de justiça, amputando à nascença qualquer outra análise. 

O problema é que a corrupção enquanto crime instrumental do crime económico-financeiro foi criando zonas de risco enraizadas na contratação pública de bens e serviços, na derrapagem astronómica dos valores das empreitadas das obras públicas com as correspondentes “luvas”, no desvio e apropriação ilícita dos fundos europeus de coesão e desenvolvimento, nos financiamentos das campanhas e dos Partidos, na burocracia sufocante da administração pública incompetente ou desfalcada, no caciquismo, na promiscuidade entre política e futebol, entre autarquias e construção civil, nas decisões sobre o urbanismo e o ambiente.

(...) Esta repressão gera sempre infractores mais resistentes e inteligentes, o discurso da separação de poderes é facilmente instrumentalizável, a ética política é confundida grosseiramente com o princípio da presunção da inocência, como se a prestação de contas públicas e a culpa penal estivessem no mesmo plano e nos mesmos códigos. As ditas judicialização da política e politização da justiça encobrem a indiferença por prevenir e combater a corrupção, o irresistível desejo de descrédito dos magistrados. 

Acabo a corrida e a crónica, quando no ecrã da passadeira surgem os 5km, 30mn, 340 calorias, desiludida com este tipo de inspiração da adrenalina».