José Sócrates quer uma democracia fundada nos valores, tolerância e decência. Eis uma tirada que merece o acordo geral. Aliás, a este propósito, vale a pena registar e guardar o último texto de opinião de Constança Cunha e Sá, que passo a repruduzir, com a devida vénia:
Como era de esperar, os ”esclarecimentos“ do primeiro-ministro à RTP ”esclareceram“ apenas os que queriam, acima de tudo, ser ”esclarecidos“. Uma semana depois, a fé dos adeptos, onde se contam inúmeros jornalistas, resiste heroicamente à divulgação de novos dados sobre a licenciatura do eng. Sócrates: para uns, o fim do silêncio do primeiro-ministro devia equivaler ao fim de uma polémica que, segundo um editorial do Diário de Notícias, tem sido alimentada diariamente por ”notícias avulsas, sem conteúdo nem sentido“ para outros, esta insistência numa ”questão que não interessa nada“ (José António Saraiva dixit) revela, como explica candidamente Fernando Madrinha, no Expresso, ”uma pulsão suicida que nos puxa para o abismo sempre que um Governo tem condições para definir um rumo e a coragem de seguir em frente, convicto de estar a fazer aquilo que tem de ser feito“.
Só falta recuperar, embora a recuperação esteja implícita, a famosa frase do prof. Cavaco Silva que o PS tão bem soube aproveitar: ”Deixem-nos trabalhar!“. Nessa altura, foi o próprio primeiro-ministro que, perante a gargalhada geral, defendeu o seu direito ao sossego e à harmonia institucional. Agora, pelos vistos, são os jornalistas os primeiros a zelar pelos interesses laborais de um Governo que, de acordo com os mesmos, tem um ”rumo“ para o país e a ”coragem“ de não o abandonar. Não vale a pena perder muito tempo com a suposta ”irrelevância“ das notícias que têm vindo a público.
Como se viu esta semana, é impossível ignorar a sucessão de factos controversos que enfeitam o percurso universitário do eng. Sócrates. As datas não coincidem, os documentos são contraditórios, as avaliações incompreensíveis, o plano de equivalências inexplicável e as ”explicações“ oficiais claramente insuficientes. Neste momento, fazendo um ponto provisório da situação, existem dois certificados de licenciatura que não coincidem, um plano de equivalências que não passou pelo conselho científico da Universidade e que não foi sequer aprovado pelo seu reitor, dois curricula na Assembleia da República, quatro cadeiras dadas, no mesmo ano, pelo mesmo professor, uma cadeira que não foi dada pelo professor responsável e, por fim, um exercício de Inglês Técnico feito e avaliado depois da data em que terá sido concluída a licenciatura.
Se, no meio de todo este enredo, há quem se considere devidamente ”esclarecido“, não sou eu, com certeza, que vou desfazer essa doce e miraculosa fantasia. Já a ”pulsão suicida“ referida por Fernando Madrinha e outros ilustres comentadores merece alguma atenção. Pelo que se depreende do que foi escrito, esta semana, um jornalista responsável não pode fragilizar politicamente um Governo que está ”convicto de estar a fazer aquilo que tem de ser feito“. Antes de ”dar gás“ a ”trapalhadas“ avulsas e crises ministeriais, tem que fazer uma avaliação da política governamental: se esta for positiva, como parece ser a do eng. Sócrates, as ”trapalhadas“ devem desaparecer perante as velhas e recorrentes questões que interessam verdadeiramente aos portugueses; se, pelo contrário, a política anunciada indiciar o pior, como aconteceu, por exemplo, no tempo do dr. Santana Lopes, então qualquer ”trapalhada“ deve transformar--se num caso nacional, com direito a primeiras páginas e a aberturas de telejornais.
O principal ”erro“ do dr. Marques Mendes não foi ter falado numa ”falha de carácter“ do eng. Sócrates: foi ter-se ”atrevido“ a dar crédito institucional a factos que fragilizam politicamente um Governo, que, de acordo com os poderes estabelecidos, deve ser preservado a todo o custo, de forma a poder cumprir os seus lustrosos objectivos. Acontece que os factos não desaparecem perante as conveniências de uns e o entendimento de outros tantos.
Por muito ”corajoso“ e ”determinado“ que seja, o primeiro-ministro foi particularmente atingido por um caso que mostrou ao país o que o seu retrato oficial escondia. Por trás da imagem de Estado que ele habilidosamente construiu, durante estes dois anos de Governo, surge, agora, à vista de toda a gente, o Sócrates que ele sempre foi: um político sem espessura, educado nos meandros do aparelho e nos favores do partido, que se notabilizou, a dada altura, pelas qualidades cénicas que revelou. O facilitismo que se detecta no seu percurso académico conjuga-se mal com o ”rigor“ de que faz gala e com a ”determinação“ com que enfrenta os ”interesses“ estabelecidos e os grupos de ”privilegiados“.
Não vale a pena escamotear a realidade. Muito menos alterar critérios noticiosos consoante a opinião política dos jornalistas. O facto (por demonstrar) de este Governo ter um ”rumo“ e ”coragem“ para o prosseguir não o exime do escrutínio público, nem pode ser visto como um impedimento à liberdade de informação.
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Rui Costa Pinto - Jornalista/Editor/Publisher
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