” O caso Sócrates começou por uma trivialidade: o político Sócrates usava sem rigor classificações e títulos académicos antes de os ter e quando não os tinha. Era pouco importante, mas era noticiável numa democracia em que se espera rigor da biografia oficial dos governantes. Podia ter imediatamente admitido que isso fora um engano, uma leviandade, um uso social descuidado, ou mesmo uma reivindicação (as escolas por onde tinha andado para se formar como engenheiro técnico reivindicavam a titularidade de engenheiro). Mesmo que admitisse ter sido um erro, a questão morria logo ali sem danos especiais para o Primeiro-ministro. Corrigia a sua biografia oficial e fechava o assunto.
Sócrates fez exactamente o contrário. Acantonou-se em versões progressivamente mais contraditadas e para cada cavadela saiam várias minhocas. Ele parece ter um toque de Midas especial: qualquer documento que lhe diz respeito tem alguma coisa de errado. Ou são as disciplinas, ou são as notas, ou são as datas, ou são as versões, ou são as contradições. Até a Universidade Independente, no seu estertor, admite haver “falsificações”. Ele pode de facto estar a ser vítima de uma conspiração, mas não é pelas questões que lhe são colocadas pelo seu trajecto académico, é pelos papéis que estão nos seus dossiers.
Depois, ele próprio e o seu poderoso gabinete – digo poderoso porque vários jornalistas andaram a gabar a sua capacidade de “controlar” a agenda, o que é um interessante atestado de menoridade a si próprios – fizeram tudo para impedir as notícias. Primeiro, fizeram tudo para impedir o Público de dar o salto crucial de levar a informação que já existia nos blogues para a imprensa “séria”; depois fizeram tudo para impedir que outros jornais pegassem na notícia e, em particular, que chegasse à televisão; por fim, invadiram o espaço público de sucessivas e contraditórias explicações para aumentar a confusão.
Agora está-se na fase de demonizar quem ainda quer esclarecer aquilo que não está esclarecido. Não é difícil. Muitos órgãos de comunicação social só pegaram na questão a contra-gosto, e quando não a podiam evitar. Desenvolveu-se uma interpretação conveniente para encerrar o assunto com a entrevista do Primeiro-ministro, que todos sabem não respondeu (nem foi perguntado) sobre muita coisa. Mostrando uma rara contenção muitos órgãos de comunicação fecharam-se num silêncio que não é apenas silêncio: é uma crítica aos seus colegas que continuam a interessar-se pelo assunto.
Por fim, não há governo, seja este seja outro (com excepção do de Santana Lopes e mesmo assim...) que não concite a nossa mecânica do consenso que junta sempre poderosos interesses à sua volta, materiais e espirituais. Este, até pela sua maior legitimidade política e pelo mérito do que fez, pelo apoio institucional que recebeu nos momentos decisivos do PR e da PGR, e pela sensação de falta de alternativa, ainda mais “consenso” produz. Por isso se cobrirá tudo com uma redoma ao mesmo tempo frágil e blindada e o tempo fará o seu efeito de esquecimento. Até um dia.“
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Rui Costa Pinto - Jornalista/Editor/Publisher
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