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Rui Costa Pinto - Jornalista/Editor/Publisher

quarta-feira, maio 17, 2006

Avaliação serena e contundente

Maria José Morgado, no âmbito de uma conferência internacional que está a decorrer no ISCTE, fez uma comunicação escrita sobre o combate à corrupção. Num texto denso, mas criativo, intitulado O Ministério Público e a direcção do combate à corrupção - O combate (im) possível, a procuradora-geral adjunta faz uma avaliação arrasadora da política criminal em Portugal.
Aqui ficam algumas citações:

Nesta comunicação, temos por objectivo demonstrar ainda que brevemente, como o combate à corrupção em Portugal está, e há-de continuar a estar paralisado, por força da própria corrupção de alguns poderes públicos, da incapacidade conjuntural do MP para a detecção e combate do fenómeno, e duma inevitável estratégia de combate ao crime que, por razões várias, ignora imprudentemente o problema-corrupção.

Isso acontece por emergência daquilo que designarei por nódulos do sistema.

Estes nódulos que nos surpreendem dentro e fora do sistema penal, modificam a representação social e política da função punitiva do Estado, e originam uma incontrolável degradação das funções principais do Estado. No que ao caso importa, constituem eles próprios, impedimento grave do combate à corrupção, nomeadamente daquela que tem a natureza política.

Quanto aos nódulos formados no exterior do sistema penal, destacam-se: uma estratégia de política criminal inconsequente, nebulosa, por vezes paradoxal.

O combate à corrupção não faz parte das opções estratégicas do Relatório de Segurança Interna/2005, deitando por terra, em nosso entender, boa parte da capacidade de ataque ao crime organizado internacional. Relativamente à corrupção política interna, nem sequer dele consta, a análise das consequências da incidência das várias manifestações de corrupção municipal, fenómeno que se tem revelado insistente, entre nós.

Neste relatório [Relatório de Segurança Interna/2005], depois de analisadas as diferentes manifestações de criminalidade, nomeadamente a criminalidade grave, organizada, transnacional, os novos fenómenos globais, as tipologias de crimes, afirma-se a certa altura: é de admitir que a criminalidade económico financeira possa assumir uma posição de destaque no quadro das actividades ilícitas desenvolvidas pelas mafias de leste-europeias e asiáticas.

É de admitir que possa assumir uma posição de destaque...é este o ponto-possível de situação da parte das autoridades (?) ,quando se devia saber que, a criminalidade económico financeira acompanha o crescimento do crime organizado internacional e do branqueamento de capitais, do financiamento de terrorismo, do narcotráfico, do narcoterrorismo e, a ameaça das ameaças- a confirmada instrumentalidade da corrupção em relação a toda esta criminalidade.

E assim temos, de um lado o crime cometido por pessoa respeitável, com elevado estatuto social, no exercício da sua profissão, e o crime cometido pelos senhores do crime. Daqui a diagnosticada crescente promiscuidade entre os senhores do crime empresarial, organizado e os senhores das instituições políticas ou económicas- o que, entre outras razões faz com que, as fronteiras entre o crime de colarinho branco e o crime organizado sejam cada vez mais nebulosas.

A utilização da corrupção pelo crime organizado, pelas mafias mencionadas aliás, no relatório oficial, pelo narcotráfico, pelos senhores da fraude ao IVA em carrossel e do contrabando do tabaco, alcool, combustíveis, é um instrumento essencial para alcançar maiores lucros e margens alargadas de impunidade. Essa categoria de criminosos, visa sempre a corrupção dos políticos como forma de dominar o próprio sistema de partidos, a fim de garantir os fabulosos proventos das corporações internacionais do crime. Os métodos da corrupção política, utilizados pelo crime organizado, tornam-se assim vitais para a própria impunidade e lucro ilícito.

Num país de empregados públicos o discurso oficial contra a corrupção não existe, ou é supersticioso.

A falta de tratamento destes aspectos essenciais pode ser o resultado da desorientação reinante na Direcção Central de Investigação da Corrupção e do Crime Económico Financeiro da PJ, entidade que tem a competência reservada para o efeito. A parte do Relatório da responsabilidade daquela Direcção Central, é um vazio completo na matéria.

Acontece que do lado do MP, não tem surgido nenhuma força dirigente capaz de fundar um programa de combate à corrupção, partindo das suas origens, causas, dimensão, zonas de risco. O Relatório anual da PGR, não analisa, nem trata a matéria especificamente.

Permitam-me uma curiosidade interessante ao nível da Magistratura. A vocação de certos Magistrados para a nomeação, por convite (não por mérito) para os cargos de Direcção das policias, ou da Administração pública. Estes convites que foram alvo de recente polémica por causa da última substituição do DN da PJ, a meu ver , contêm um veneno tanto para o Executivo como para os tribunais: aproximam demasiadamente políticos e Magistrados, criam permeabilidade, contribuem para desacreditar a justiça. Mais importante ainda, é que colocam em causa, de forma difusa mas persistente, a separação de poderes. Haverá sempre um Magistrado à espera de uma nomeação, um Conselho Superior maleável por causa disso- até porque a autorização dos Conselhos representa um poder implicitamente transferido para o cargo-função do convite (representa uma influência no aparelho do Estado).

O poder político teme porventura o combate à corrupção porque demasiado dependente das clientelas e as clientelas, por sua vez, das decisões do poder político concreto em cada momento. O que pode explicar a omissão de uma política clara contra a corrupção, enquanto política de desenvolvimento do país.

A omissão do combate à corrupção nas opções estratégicas de segurança interna, parece-me um erro susceptível de enfraquecer o Estado e as funções punitivas.
O MP não se mostra dotado da capacidade de resposta devida, independentemente da vontade individual de alguns dos seus membros.


O MP hoje em Portugal, não dispondo dos meios de direcção, coordenação e disciplina adequados aos fins que prossegue, não só não alcança promover a acção penal tempestivamente, como não consegue identificar as mais graves situações desta criminalidade.

Os poderes de direcção dos Procuradores, enquanto Directores nos DIAP´s e nas Procuradorias são muito imprecisos e objecto de interpretações demasiado rígidas.

As estruturas de Direcção não dirigem efectivamente. Não se trabalha segundo um plano comum. A prática de instruções e directivas para os casos complexos, nunca foi bem aceite.

A articulação entre os DIAP´s e as PGD, é insuficiente e até polémica , partindo de conceitos imprecisos sobre a integração ou a autonomia destas unidades.

Neste contexto de atomização, não é possível coordenar a investigação das policias, acompanhar a realidade, - exigência mínima na prevenção e repressão desta criminalidade.

Não havendo verdadeira direcção ou coordenação, também não há estudos de criminalidade, não há definição de objectivos prioritários, em suma o fenómeno não é percebido por quem tem de o combater. Logo, não havendo detecção dos fenómenos e das suas causas, não há pro-actividadade, com perdas grandes para a investigação. Isto é, estamos sempre atrasados em relação a uma realidade demasiado complexa.

O estatuto processual de autonomia do MP neste momento, é um mito.

O objectivo informatização do MP não faz parte do programa oficial, pelos vistos.

A formação dos Magistrados também não ajuda. Não há formação específica. Impera o formalismo e automatismo na aplicação das normas, causador de injustiças e de má passividade judicial.

A organização do MP é hoje obsoleta e não corresponde às necessidades de conhecer e de prevenir a complexidade do fenómeno.

A crónica morosidade instalada que por exemplo, levou à possibilidade caricata da candidatura às eleições autárquicas de 2005, dos chamados candidatos-arguidos - que foram ao ponto de invocar até, como motivo de popularidade , as acusações do MP.

O principal problema é que se estabeleceu um fosso enorme entre as exigências típicas da previsão penal e a interpretação da lei, feita em geral pelos magistrados, salvo sempre algumas excepções sempre honrosas e arriscadas diga-se de passagem...

O carácter velado e indirecto dos actos de suborno, o crime-sem-vítima, os pactos de silêncio, a sofisticação dos métodos usados, os filtros das provas, os negócios ilegítimos subjacentes a este tipo de condutas escapam assim, completamente a esta interpretação- que apenas procura nos factos, as suas manifestações tradicionais palpáveis, do velho–envelope-debaixo-da-mesa–para... dos crimes enquanto crimes tradicionais, visíveis, com unidade de espaço, de tempo e de acção. O resultado é o inevitável- zero.

Esta jurisprudência mecanicista e artesanal, desfasada do mundo e da vida, pode conduzir a resultados indesejáveis.

A queda do mito da justiça absoluta já é antiga, mas é evidente que as más práticas comprometem gravemente a confiança da comunidade, na incondicional isenção dos Magistrados.

As exigências legalistas excessivas são tão más como a falta de garantias, pois conduzem inexoravelmente à impunidade.

A inconsciência destes problemas tem feito com que toda e qualquer abordagem sobre as dificuldades do combate à corrupção, pelo MP, seja de índole esquizofrénica. é o síndroma da manta-curta.

Mesmo assim, porventura presa da mesma esquizofrenia, valerá a pena perguntar - por onde começar?

Uma Procuradoria anti-corrupção como em Espanha?

Uma procuradoria anti-corrupção municipal e do urbanismo como agora é anunciada em Espanha, ainda?

Ou modestamente, melhor estudo e coordenação da parte das secções especializadas?

Estudo e proposta de um plano nacional para atacar a corrupção política, com base na caracterização dos modus operandi e das zonas de risco?

Exigência de mais apertado quadro legal sobre as incompatibilidades?
Formação específica no CEJ?

Exigência dum relatório semestral do PGR, sobre os resultados do combate ao branqueamento de capitais?

Alargamento dos DIAP´s à participação da policia, como forma de obter verdadeira direcção conjunta operacional?

Criação dum Tribunal Central de julgamento a incluir a competência para o julgamento desta criminalidade, enquanto criminalidade associada ao crime organizado/económico?
Alguma melhoria da lei penal, abolindo a distinção entre corrupção própria e imprópria?

Exigir a observância das regras recomendadas pelo GRECO, na nomeação das pessoas para a Direcção de investigação da corrupção, na PJ?

Não é possível dirigir nada sem a radiografia, o estudo das causas desta corrupção, origens, desenvolvimento e efeitos. Sem diagnostico dos seus mecanismos e definição de zonas de risco como prioridades de prevenção e de investigação, nesta área. Sem fórmulas modernas de direcção da policia e da investigação criminal.

Enquanto isso não acontecer, independentemente e apesar da vontade de cada um, todas estas falhas continuarão a favorecer objectivamente, a corrupção política.

Talvez seja necessário reinventar o MP.

A experiência comparada dá-nos grandes lições e soluções. Por exemplo, o método Giovanni Falcone, de seguimento dos dinheiros do crime, como meio de identificar os principais responsáveis e desmantelar os grupos criminosos.

Contudo, hoje a corrupção em Portugal, é mais o que não sabemos do que o que sabemos. É mais o que não fazemos, do que o que fazemos. O que significa provavelmente, o contrário da democracia - uma vez que a democracia caracteriza-se pelo facto de o poder ser estabelecido de tal forma que não possa ser apropriado por aqueles que o exercem, esse poder não pertence a ninguém

1 comentário:

Macro disse...

Outra x, boa noite

Bom isto não é uma Conferência, é um tratado, e que Tratado...

Mas eles andem aí...