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Rui Costa Pinto - Jornalista/Editor/Publisher

sábado, fevereiro 25, 2006

Uma entrevista

‘Qualquer negócio tem comissão’

O embaixador de Angola no Brasil, Alberto Correia Neto, ao tentar explicar os negócios de autoridades angolanas com o Trade Link, disse que é natural administradores públicos receberem comissão por negócios que ajudam a concretizar. Disse que não vê nada demais no suposto mensalão do PT a parlamentares da base — seria uma "mobilização material" para conquistar adversários políticos.

O presidente do Banco Nacional, Amadeu Júnior, tem remessas de mais US$ 1,6 milhão além do que noticiamos...

ALBERTO CORREIA NETO: Não sei se tem ou não. Não percebo qual o problema. O que você tem a ver com isso, se ele tem ou não?

Joana da Fonseca Cordeiro, do Ministério das Finanças, recebeu US$ 50 mil.

E o meu, não vem (rindo) ? Não será ordem de pagamento no Estado?

No exterior?

Sim.

Pagamento em contas pessoais?

Não sei se as contas são tituladas. Não sei se ele tem conta sozinho. Como é que se faz os pagamentos no exterior, quem assina esses documentos? Como é que circula o dinheiro angolano? Boa parte do dinheiro angolano vem do petróleo, mas não passa pelo sistema financeiro angolano. Nosso Banco Nacional tem conta no Wachovia, no HSBC, são contas do Estado angolano.

O Estado angolano faz negócios com off-shore, que tem sede em paraíso fiscal?

Isso não posso dizer, mas tendo em vista a situação financeira mundial, não vejo problema em pôr meu dinheiro num paraíso fiscal, vai dar um juro maior. Só agora os Estados Unidos aumentaram para 4% anuais. Num paraíso fiscal os juros são 5%, 6% por ano. Eu, se tiver dinheiro fora, vou ter num banco que tenha juros maiores.

No Brasil, algumas fortunas são suspeitas de terem se originado na corrupção. Em Angola também é assim?

Também há, mesmo nos EUA. O capitalismo engendra a corrupção. Por que tem gente que luta para ser ministro, deputado, senador? Por que gosta do país, para salvar a população? Não. Por causa da bufunfa, do dinheiro. A estrutura engendra a corrupção. Nossa luta em Angola é para não atingir os níveis de corrupção do Brasil e países como a Nigéria.

No caso do Trade Link, qual a razão das autoridades angolanas para a movimentação de dinheiro no exterior?

Não sei. O que posso dizer é que o dinheiro do Estado angolano não está nos bancos em Angola. As petrolíferas, quando pagam impostos, pagam em bancos americanos, franceses, etc. Quem ordena a movimentação desse dinheiro são as pessoas jurídicas representadas pelo governador (presidente) do banco e outras pessoas.

Um assessor de Pedro Morais disse que quem ajuda a fechar um negócio, não importa se da iniciativa privada ou do serviço público, tem comissão de 15%. Existe mesmo?

Tem que existir. É um problema do comércio internacional. O erro que cometemos é que, ao invés de tornarmos a comissão oficial, transformamos em tabu. As pessoas interiorizaram que a comissão é para elas e não para a estrutura. As pessoas assinavam os contratos, tinham comissão e o Estado não se beneficiava. Mas agora já se beneficia.

Da comissão?

Aqui também. É tudo a mesma coisa. Qualquer negócio no mundo tem comissão. Se tem um negócio no Ministério das Finanças, vai dar comissão. Ele (negociador) é obrigado a declarar. Um bocadinho vai para ele, é um prêmio. Você acha que aqueles milhões que Maluf fez vieram de onde? É tudo comissão.

Em Angola é assim, só que tem lei que permite comissão?

Qualquer negócio tem comissão. A lei foi criada há bastante tempo, só não estava sendo aplicada corretamente.

Então existe a comissão da comissão?

É perfeitamente natural. O contrário faz aparecer os mensalões (...) Minha opinião sobre o mensalão é a seguinte: o único erro foi o uso de dinheiro público. Se você é de um partido oposto ao meu, vou lutar para você vir para o meu. Vou usar todas as armas. Primeiro ideologicamente. Quando perceber que não estou conseguindo do ponto de vista ideológico, vou fazer mobilização material. Agora você usar dinheiro público nesta operação é crime. Se é uso de dinheiro pessoal, qual o crime? Todo homem tem um preço. O que interessa saber é quanto. O erro foi mobilizar dinheiro público.

Jornal Globo
21/11/2005

1 comentário:

Vicente Gil disse...

O Eduardo dos Santos, e a maioria da nomenklatura angolana, não pensará diferente. Nós é que estamos habituados ao cinismo dos detentores do poder e depois abrimos a boca perante declarações deste tipo. Pelo menos aconteceu comigo.
O embaixador não é burro, o que tem é uma grande lata. Se um dia viesse a ser responsabilizado pelos seus actos, talvez o povo angolano deixasse de vegetar na miséria. O que nunca acontecerá na conjuntura neoliberal vigente.